Precisamos falar sobre amizade.
Pensei mil vezes antes de postar isso, pensei mesmo e muito, porque apesar desse blog não ser algo que divulgo por aí, me expor demais publicando textos sobre minhas experiências pessoais era algo que eu tinha resolvido deixar na adolescência. Mas concluí que é um ponto que preciso elaborar, preciso expor, preciso mesmo falar, pensar mais sobre isso e discutir o assunto.
Todo mundo tem pelo menos uma melhor amiga na adolescência, eu tinha e era a melhor do mundo. Ela era inteligentíssima, linda, estava lá nos melhores e piores momentos. Nem sempre acertando, mas com certeza acertando mais do que errando. Ela, como toda adolescente (ou ser humano), tinha algumas inseguranças que foram construídas ao longo de sua história, apesar de ser uma das garotas mais fortes que já conheci, enfiaram na cabeça dela que ela não era suficiente,que ela não podia se amar, que seu corpo não era bom, que ela tinha que se esforçar mais para que alguém gostasse de sua aparência, tinha que atingir a perfeição.
Enfiaram todos esses absurdos na cabeça dela, assim como enfiaram todos esses mesmos absurdos na minha cabeça.
Obviamente minha história é diferente da dela, assim como é diferente da história de cada ser humaninho existente nesse planeta. Eu fui bailarina uma parte de minha infância e início de adolescência, desde muito pequena sabia que não podia ser gorda, e que aumentar um quilo era sinônimo de desespero, isso ficava muito evidente observando as meninas mais velhas no ballet. Cresci vendo minha mãe, minhas avós, tias e primas fazendo dietas insanas, eu não entendia, mas era regra, virou regra na minha cabeça também. Eu era magra, muito magra e então entrei na puberdade.Nessa época eu brincava de boneca, eu assistia Sakura Card Captors, eu usava macacão e ralava meu joelho andando de patins e carrinho de rolimã com os meninos da rua. Quando menstruei tudo começou a mudar, meu corpo mudou, meu comportamento mudou, as pessoas mudaram na forma como me tratavam. Minha avó e minha mãe falavam o tempo todo sobre o quanto eu estava engordando, me comparavam a minha prima, diziam que eu tinha que comer menos massa, que tinha que comer mais salada, que tinha que parar de jantar... Eu costumava pesar 42kg, pulei para 48kg, eu tenho 1,68 de altura hoje, aos 12 anos não era muito mais baixa que isso. Eu sempre fui magra, mas eu nunca soube disso.
Conheci essa minha amiga mais ou menos nessa época, eu via que na família dela a coisa era bem parecida, eles diziam que ela estava gorda, que isso era algo horrível, e todo aquele blá,blá,blá que eu ouvia lá em casa. Eu não achava estranho, eu achava bem normal, eu ouvia isso, ela ouvia isso, provavelmente todas as minhas amigas ouviam isso.
Certa vez fui pra praia com a família dela e parecia que os comentários se tornavam mais frequentes naquele lugar. Eu sempre tive as pernas muito finas e um pouco de gordura localizada na região do quadril, um dia voltando da praia o pai dessa minha amiga comentou que eu deveria pegar essas gordurinhas do quadril e passar para as pernas, disse isso como piada e todos riram, inclusive eu, mas no fundo estava morrendo de vergonha por ele ter reparado naquelas gordurinhas, que eu tanto fazia para esconder, e apontado para que todos vissem.
Outra vez fui ao shopping com essa amiga e vi um short que gostei demais, não tinha meu número, então peguei um que era dois números maior pensando em pedir para minha avó ajustar. Fomos para a minha casa e, antes de pedir para que fizesse o tal ajuste,minha avó viu o short, olhou a numeração e se espantou "Como você compra um short desse tamanho? Você tá gordinha, mas nem tanto!" acontece que o tamanho era o que essa amiga usava, eu vi na cara dela que foi constrangedor, então disse que o tal short servia bem pra mim e deixei por isso mesmo, senti vergonha pelo comentário da minha avó, senti isso porque essa amiga tinha passado a tarde me falando sobre o quanto sofria com os comentários de sua própria família.
As coisas seguiram da mesma forma, no colégio a gente se reunia no banheiro após o almoço e olhávamos no espelho. Olhar no espelho era terrível, a imperfeição era ainda mais notável quando estávamos em grupo, logo uma de nós lembrava do mantra que o mundo nos ensinou e comentava "Nossa!Eu preciso emagrecer!" em seguida todas nós constatávamos o mesmo, seguia com algumas dizendo que precisavam consertar o nariz, outra os seios, outra os cabelos e por aí vai. Eu cheguei a pesar 54kg na adolescência, esse foi o máximo, essa era a época do culote, tive esse peso por pouco tempo, depois emagreci, aos 15 tinha voltando pros 48kg que pesava aos 12 anos, e o peso variava entre 48kg e 52kg. Não era muito para o meu tamanho, hoje eu sei disso. Se eu sabia disso com 15 anos? Não, eu não sabia. Eu ouvia que eu era gordinha, que eu tinha que passar o creme tal que queimava as gordurinhas, que não seria muito difícil pra mim, mas que se eu me esforçasse um pouquinho mais ficaria com o corpo perfeito.
As coisas seguiram da mesma forma, no colégio a gente se reunia no banheiro após o almoço e olhávamos no espelho. Olhar no espelho era terrível, a imperfeição era ainda mais notável quando estávamos em grupo, logo uma de nós lembrava do mantra que o mundo nos ensinou e comentava "Nossa!Eu preciso emagrecer!" em seguida todas nós constatávamos o mesmo, seguia com algumas dizendo que precisavam consertar o nariz, outra os seios, outra os cabelos e por aí vai. Eu cheguei a pesar 54kg na adolescência, esse foi o máximo, essa era a época do culote, tive esse peso por pouco tempo, depois emagreci, aos 15 tinha voltando pros 48kg que pesava aos 12 anos, e o peso variava entre 48kg e 52kg. Não era muito para o meu tamanho, hoje eu sei disso. Se eu sabia disso com 15 anos? Não, eu não sabia. Eu ouvia que eu era gordinha, que eu tinha que passar o creme tal que queimava as gordurinhas, que não seria muito difícil pra mim, mas que se eu me esforçasse um pouquinho mais ficaria com o corpo perfeito.
E nessa onda de aceitar tudo isso eu também reclamava no banheiro com as minhas amigas.Em dado momento essa minha melhor amiga começou a se irritar com meus comentários. Tudo começou com leves elogios "Imagina, você tá muito bem assim."... "Guria,você é muito magra!" e esse comentário era seguido de outros feitos pelas outras meninas que também me achavam muito magra, depois de certo tempo meus comentários sobre o quanto eu desgostava do meu corpo começaram a ser seguidos de "Por favor né, Evelyn?!" e "Ai guria,para com isso!" e " Pfff!!"... isso me deixava irritada também,me irritou ao ponto de eu falar "Não é por que você pesa mais, que eu não tenha o que melhorar." Eu lembro disso e acho que não falei isso apenas uma vez, eu também não era uma pessoa esclarecida, nem só vítima de qualquer coisa, eu também gritava e magoava as pessoas. Essa história de não poder reclamar de mim na hora do espelho durou mais ou menos um ano, isso me chateava muito a ponto de não querer falar com essa amiga o resto do dia, seguiram-se outras brigas relacionadas com o quanto ela me achava fútil e com uma cartinha que foi entregue na aula de inglês com uma lista de coisas que eu precisava mudar para continuar andando com elas.
Em algum momento no meio disso uma outra amiga me contou durante um dos meus desabafos que "A Fulana disse que parece que você faz esse tipo de comentário só para se achar e chamar atenção." Aquilo me fez chorar por uma tarde inteira e me fez tomar uma decisão: Não vou mais reclamar. Eu não precisava reclamar, eu podia guardar aquilo pra mim. Na maior parte das vezes eu conseguia guardar e em outras eu falava, só que me esforçando muito para demonstrar que não estava falando dela, porque obviamente em algum ponto eu achei que a forma como eu falava dava a entender que o que eu desgostava no meu corpo era sobre ela. Então meus comentários começaram a ser mais "Eu só queria tirar esse culote,só isso."
Em algum momento no meio disso uma outra amiga me contou durante um dos meus desabafos que "A Fulana disse que parece que você faz esse tipo de comentário só para se achar e chamar atenção." Aquilo me fez chorar por uma tarde inteira e me fez tomar uma decisão: Não vou mais reclamar. Eu não precisava reclamar, eu podia guardar aquilo pra mim. Na maior parte das vezes eu conseguia guardar e em outras eu falava, só que me esforçando muito para demonstrar que não estava falando dela, porque obviamente em algum ponto eu achei que a forma como eu falava dava a entender que o que eu desgostava no meu corpo era sobre ela. Então meus comentários começaram a ser mais "Eu só queria tirar esse culote,só isso."
Eu já forçava o vômito em algumas ocasiões, raramente, mas fazia. Eu reprovei naquele ano, eu fiquei um tanto depressiva, eu fazia cortes em meu corpo em lugares que eu pudesse esconder, tinha uma outra menina na sala que fazia o mesmo, e nosso grupo sabia disso e as meninas tiravam sarro dela, então eu tinha noção de que ninguém podia saber. Um dia, depois de muitos meses, senti segurança para contar para essa amiga que havia me cortado, ela perguntou se eu estava ficando maluca, me deu uma bronca e me fez prometer que nunca mais ia fazer aquilo, eu prometi. Eu me cortei durante aquele ano inteiro, eu apenas não deixava as pessoas saberem.
Eu mudei de escola e nessa época eu já era bulímica, nessa época eu já não me enganava mais, eu sabia que era. Minha melhor amiga namorava um menino e eles eram o tipo de casal que ficava junto o tempo todo, como eu já nem estudava mais na mesma escola que ela, a distancia aumentou e o tempo em que a gente conseguia se ver o tal namorado estava junto, então eu já não dividia muita coisa com ela.
Eu mudei de escola e nessa época eu já era bulímica, nessa época eu já não me enganava mais, eu sabia que era. Minha melhor amiga namorava um menino e eles eram o tipo de casal que ficava junto o tempo todo, como eu já nem estudava mais na mesma escola que ela, a distancia aumentou e o tempo em que a gente conseguia se ver o tal namorado estava junto, então eu já não dividia muita coisa com ela.
A bulimia era assunto proibido, eu sabia porque obviamente ela ia achar aquilo um absurdo, uma de minhas frescuras, provavelmente me daria uma bronca e me faria prometer que não ia mais fazer. Mantive esse segredo por muito tempo. Nessa nova escola namorei um menino que era um babaca, que reclamava por eu comer pizza no almoço, que dizia que não queria que eu ficasse gorda e que se eu ficasse ele terminaria comigo, falava isso como se fosse uma brincadeira. Isso só piorou, fiquei com um problemão no estômago, eu fazia terapia há 2 anos,mas nunca tinha falado sobre meu transtorno alimentar ou sobre os cortes que eu fazia no corpo.
Pra mim a bulimia era algo necessário, eu não via como algo grave ou um problema, eu só via como algo proibido, como um segredo que eu tinha.
A primeira vez que falei sobre isso foi quando mudei novamente de escola, voltando para a antiga, mas aí eu já tinha 18 anos, bulimia há 3 anos e estava tomando medicamentos controlados para depressão e ansiedade que estavam ligados a muitos outros problemas daquela época e uma estrutura emocional totalmente abalada.
Quando falei sobre isso foi pra uma amiga que nem era tão próxima e ela me acolheu, eu me surpreendi.Essa menina disse "Mas porque isso está acontecendo?" e eu menti que acontecia há pouco tempo, que eu ia parar, que era algo idiota e de momento. Ela disse que entendia e que se eu precisasse falar disso ela estava ali. Foi assim que comecei a falar disso, aos poucos, com vergonha, com receio de ser xingada. Todos os outros namorados que tive souberam do meu problema com a bulimia, souberam que era um problema do passado, muitas amigas que tenho hoje sabem disso, falo tranquilamente sobre isso, já passou, mas com a minha melhor amiga, eu nunca consegui falar.
Lendo esse texto parece que ela foi uma amiga muito ruim, mas não foi, por milhares de motivos. Aqui só tem recortes de partes em que ela pode ter errado de alguma forma porque 1º foi oprimida o tempo todo por uma sociedade que exige que a gente passe a vida perseguindo um padrão de beleza impossível de se atingir, rejeitando qualquer outro tipo de corpo e isso não permitiu que ela notasse que era linda, não deixou que ela se amasse, se aceitasse,se resolvesse e por consequência ela não conseguia ouvir que o que eu falava de mim era sobre mim e não sobre ela; 2º porque eu era uma pessoa difícil, eu respondia também, eu errava quando me defendia atacando e magoando ela.
Lendo esse texto parece que ela foi uma amiga muito ruim, mas não foi, por milhares de motivos. Aqui só tem recortes de partes em que ela pode ter errado de alguma forma porque 1º foi oprimida o tempo todo por uma sociedade que exige que a gente passe a vida perseguindo um padrão de beleza impossível de se atingir, rejeitando qualquer outro tipo de corpo e isso não permitiu que ela notasse que era linda, não deixou que ela se amasse, se aceitasse,se resolvesse e por consequência ela não conseguia ouvir que o que eu falava de mim era sobre mim e não sobre ela; 2º porque eu era uma pessoa difícil, eu respondia também, eu errava quando me defendia atacando e magoando ela.
A gente tinha 15 anos e cabeça nenhuma, a gente não sabia ainda que tudo era construído para que odiássemos nosso próprio corpo,não importava como ele era, não interessava se era gordo ou magro.
Eu cheguei a pesar quase 80 kg, as pessoas tratam pessoas de 80 kg com um desprezo ainda maior, as pessoas te olham, as roupas não servem, você nem quer sair de casa, mas agora quando falo pras minhas amigas que me sinto infeliz com o meu corpo, eu ouço coisas que me colocam pra cima, meu namorado me acha linda e eu sinto que isso não é da boca pra fora, minhas amigas me dizem que meu corpo tem uma historia, que eu tenho que aprender a me amar e em cada conversa vão me ajudando a conseguir isso . Saber disso funciona o tempo todo? Não, as vezes eu quero me esconder, eu choro, eu chego a considerar a bulimia como uma opção, mas hoje os dias mais leves são muito mais frequentes do que quando eu tinha 15 anos, aceitar esse corpo tem sido mais fácil do que foi aceitar o meu corpo de 15 quando eu tinha aquela idade.
Retomo isso depois de tanto tempo porque acho que vez ou outra eu estou resolvida comigo e me amo um pouco mais, retomo porque gostaria muito que minha amiga, depois de toda a história dela e da dor que eu sei que ela vive, consiga finalmente se amar por mais dias e que o que enfiaram na cabeça dela possa ser elaborado. A gente não elabora nada trancando a sete chaves, a gente só elabora depois de recordar e de repetir quantas vezes for necessário.
Retomo porque me peguei lembrando disso essa semana, tentei falar com ela sobre isso e não consegui, tentei falar que todos os corpos tem suas histórias, suas dores, seus discursos e que devemos respeitar cada um deles e não consegui. Tentei falar pra ela que apesar da sociedade aceitar muito melhor um corpo magro do que um corpo gordo, cada mulher tem uma história de rejeição e ódio por si mesma que pode oprimir quem acabou apanhando mais, esse ódio deve ser desconstruído e a gente não desconstrói o que não pode ser falado, discutido, argumentado,questionado.
O mundo tem que parar sim de olhar com nojo para o corpo gordo, isso é gritante, e nossas amigas devem parar de olhar com nojo para seus corpos independente de como eles são, e se eu puder ser a pessoa que vai ajudar a desconstruir isso,eu quero ser essa pessoa, assim como outras amigas me acolheram e me ajudaram a aceitar o meu corpo e a minha história.
Retomo isso depois de tanto tempo porque acho que vez ou outra eu estou resolvida comigo e me amo um pouco mais, retomo porque gostaria muito que minha amiga, depois de toda a história dela e da dor que eu sei que ela vive, consiga finalmente se amar por mais dias e que o que enfiaram na cabeça dela possa ser elaborado. A gente não elabora nada trancando a sete chaves, a gente só elabora depois de recordar e de repetir quantas vezes for necessário.
Retomo porque me peguei lembrando disso essa semana, tentei falar com ela sobre isso e não consegui, tentei falar que todos os corpos tem suas histórias, suas dores, seus discursos e que devemos respeitar cada um deles e não consegui. Tentei falar pra ela que apesar da sociedade aceitar muito melhor um corpo magro do que um corpo gordo, cada mulher tem uma história de rejeição e ódio por si mesma que pode oprimir quem acabou apanhando mais, esse ódio deve ser desconstruído e a gente não desconstrói o que não pode ser falado, discutido, argumentado,questionado.
O mundo tem que parar sim de olhar com nojo para o corpo gordo, isso é gritante, e nossas amigas devem parar de olhar com nojo para seus corpos independente de como eles são, e se eu puder ser a pessoa que vai ajudar a desconstruir isso,eu quero ser essa pessoa, assim como outras amigas me acolheram e me ajudaram a aceitar o meu corpo e a minha história.
As vezes a gente se sente oprimido e quer gritar para que parem de fazer isso e temos esse direito, mas as vezes o opressor não sabe que é opressor, as vezes antes de ganhar o título de opressor, essa pessoa é nossa amiga, as vezes essa pessoa está só se permitindo oprimir por toda essa regra social que nos fala do corpo perfeito e a gente tem que saber quando algo é nosso e quando algo é do Outro.
Quando estamos falando de amizade, eu acredito que seja nosso papel impedir que nossas amigas se deixem oprimir por essas exigências absurdas, que por consequência as tornam reprodutoras desse discurso que nos aprisiona.Não é parando de falar o que se sente que vai resolver isso, eu acredito que seja justamente o contrário, acredito que a gente tem que ter a liberdade de falar como nos sentimos para nossos amigos,justamente para que eles possam nos ajudar, até mesmo quando nem percebemos que precisamos dessa ajuda.
Quando estamos falando de amizade, eu acredito que seja nosso papel impedir que nossas amigas se deixem oprimir por essas exigências absurdas, que por consequência as tornam reprodutoras desse discurso que nos aprisiona.Não é parando de falar o que se sente que vai resolver isso, eu acredito que seja justamente o contrário, acredito que a gente tem que ter a liberdade de falar como nos sentimos para nossos amigos,justamente para que eles possam nos ajudar, até mesmo quando nem percebemos que precisamos dessa ajuda.