sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O livro negro do rato no divã.

A minha avó faz uma torta salgada que é muito boa, vai carne moída na receita, a minha mãe faz a mesma torta, mas no lugar da carne moída ela prefere colocar salsicha. Eu como as duas e ambas são ótimas, eu prefiro a de carne moída, meu tio prefere a de salsicha, mas as duas são gostosas, as duas alimentam e as duas conquistam pessoas em festinhas.

Quando se entra no curso de psicologia sem saber muito bem como funciona você começa com uma cabeça boa, no lugar, aquela sensação de que tudo o que se aprende é útil...Bem, ao final já se sabe que nem tudo vai ser útil, que existem professores que não deveriam passar o que julgam saber pra frente e que o tempo de uma vida não é suficiente para aprender tudo sobre a psique humana. Mas tudo bem, acho fascinante o não saber, mais até do que o saber absoluto, pessoas que sabem com toda a certeza do mundo sobre algo podem surtar quando descobrirem que na verdade mesmo elas não sabem de nada. "You know nothing Jon Snow."

Em dado momento, ali pela primeira semana de aula você descobre que existem diferentes linhas para analisar a psique e o comportamento humano, conhece Freud, Skinner, Jung, Moreno e por aí vai. E na sua ingenuidade de recém saído das fraldas do ensino médio pode até pensar "Uau! Que incrível é o ser humano, ele é tão complexo que não existe uma só forma de compreendê-lo." Mas amiguinho, não seja tolo, eles vão cozinhar seu cérebro numa panela de mesquinharias e arrogância. 

Você aprende que a abordagem do professor Fulano é melhor que a abordagem do professor Beltrano e vice-versa. É realmente uma encheção de saco, as piadas com as outras abordagens, os argumentos imbecis como "Nós conseguimos reproduzir em laboratório, eles não", a pressão para que você escolha logo o seu time para que se torne um defensor estúpido e cego das idéias de alguém que já morreu há muito tempo,é preciso ter uma certa astúcia para entender que opiniões são apenas opiniões.
 Tendo passado maior parte da vida acadêmica no time dos behavioristas e me apaixonado pela psicanálise tardiamente, estive no meio da briga entre as duas maiores rivais, e quando penso em quanto gosto das duas e reconheço ambas como opções válidas no tratamento de sofrimentos e questões humanas diversas, percebo que para estudantes de psicologia estamos nos fechando demais somente para dizer que minha torta é melhor que a sua. Quando nos deparamos com os resultados entendemos que todas funcionam, a questão principal é pra quem vai funcionar, tem que ser uma aceitação mútua da abordagem. Não é só o psicólogo que deve se encontrar em sua linha teórica, mas o paciente também deve se encontrar nela.


Outra coisa que invalidamos são os benefícios que práticas não científicas podem trazer à psique. Uma coisa é você não poder utilizar técnicas e abordagens não reconhecidas pelo CFP para psicoterapia, com isso eu concordo,afinal escolhemos a psicologia como profissão e devemos fazer  isso com conhecimento científico e ética,   outra coisa bem diferente é você invalidar, desdenhar e não reconhecer que muitas práticas além da psicoterapia podem sim trazer paz, auto conhecimento e acalmar o sofrimento humano. 
Tomar como base suas crenças pra dizer que é errado alguém preferir praticar um esporte, ir à igreja, meditar, ler ou escrever no lugar de fazer psicoterapia é no mínimo ignorante.Claro que a psicoterapia tem um foco diferente, mas empurrá-la goela abaixo é irresponsável, julgar que é a única verdade e a única forma de resolver suas questões é se manter em um quadrado e se igualar aos preconceituosos que queremos combater. É difícil acreditar em sua luta quando você dissemina preconceitos e forma grupinhos de certos e errados dentro da própria classe profissional.






terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Sobre Expressões Faciais e Entonação

Me falaram que era bom, me disseram "Você vai gostar", me incentivaram durante quase um ano, eu li muito a respeito, meu namorado quis e eu topei.

 Assisti Boyhood.  Veja bem, o filme foi super premiado, a ideia de filmar por 12 anos, sem mudar os atores e escondido de todos é bem bacana. Mas foda-se tudo isso, porque o que importa mesmo é o que eu penso, e eu penso que ao longo dessas mil horas de filme um sentimento gigantesco tomou conta de todo meu ser e  não se chama amor, se chama tédio.

Primeiro a queridíssima Patricia Arquette (que deve ser uma pessoa incrível,mas uma atriz que teve sua melhor performance no clipe Like a Rolling Stone) tem aquela queda por cafajestes, apanha do marido e passa por alguns minutos de passividade escarrada, que parece que durou anos. Tudo ok, fiquei com raiva da personagem "Como assim, você sai e deixa seus filhos com esse bêbado maldito???" estava tudo certo, o filme tirou alguma emoção de mim, a passividade dela me irritou, a falta de energia para viver, a falta de expressão facial, tudo fazia sentido aí, fala sobre a realidade de algumas mulheres. Então ela volta, pega os filhos, vai-se embora e acaba aí...filme rola ladeira abaixo.

Ninguém no filme tem expressão facial, Patrícia não tem em filme algum, os outros resolveram acompanhar. Entonação? Somente os personagens secundários pareciam saber o que era isso, todos os diálogos no mesmo tom. Para que servem as sobrancelhas? Palavrões, que adolescente não fala palavrão? Faz sexo, fuma maconha, mas não fala palavrão...¬ ¬

Fiquei triste pq ainda faltavam 2 horas de filme e eu queria mesmo entender o porquê de tanta gente ter gostado, eu sou bem Maria-vai-com-as-outras, eu costumo gostar de filmes aclamados pela crítica, eu sou esse tipo de gente mesmo, detestar Boyhood foi uma surpresa.

O tédio me atingiu de tal forma  que eu dizia para Pedro "Alguém vai morrer, morre gente na vida de todo mundo.", "alguém vai engravidar", "alguém vai... alguém vai!!".Tinha que acontecer alguma coisa,mas não aconteceu. E aí leio e ouço coisas como "retrata a vida comum" e "sem grandes acontecimentos, é um filme que fala da vida como ela é, "... Mas não, ele não fala! Porque acontecem coisas  na vida de todo mundo, como ter o primeiro namoradinho no colégio, ir naquela festa, tirar uma nota baixa ou alta naquela prova...Isso é vida comum, mas cada uma dessas experiências causam emoções diversas, sua primeira vez não surge ali quando a colega de quarto da sua irmã te pega acordando na manhã seguinte. Existiu um antes,um durante e um depois, ela foi emocionante,cheia de expectativas, ou não, vai ver você só estava bêbada,mas pelo menos sentiu vontade, porque sem isso não seria sexo,seria outra coisa. Fazer mestrado não é algo que se faz estralando os dedos, você não passa pela vida de forma apática.

Sua vida pode não ser algo extraordinário, Patrick Swayze não te ensinou a dançar escondida em suas férias familiares, seu carro nunca quebrou na frente da mansão de um cientista transsexual de outro planeta que canta e dança, Darth Vader não é seu pai e você não costuma tomar seu café da manhã em frente à vitrine da Tiffany, mas não é por isso que você não vai reagir aos pequenos momentos.

Por isso não gostei de Boyhood, não fala sobre a vida, a vida tem sobrancelhas, tem gritos, tem gargalhadas gostosas e muito choro.
Faltou tesão.